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Alexandre del Valle considera que Francisco é «o Papa mais pró-Islão de todos os tempos na história

A dois dias da chegada do Papa Francisco ao Iraque – País nunca visitado por um Pontífice –, o portal católico Dies Iræ publica, em exclusivo, a entrevista que realizou ao Prof. Alexandre del Valle. O entrevistado, ítalo-francês, é professor de Geopolítica, consultor e editorialista. É especialista no mundo arabe-islâmico e em questões geoestratégicas. Para além disso, escreveu vários ensaios sobre o islamismo radical, a Turquia, o terrorismo jihadista, as guerras balcânicas, as relações entre o Ocidente e a Rússia, entre outros. É consultor do Parlamento Europeu, co-fundador do Instituto Daedalos, de Geopolítica do Mediterrâneo de Chipre, e fundador do Multipolar World Institute, de Bruxelas. Escreve, de forma regular, em vários jornais e revistas. Em Portugal, tem dois títulos editados: A Islamização da Europa (Livraria Civilização Editora, Porto, 2010 – esgotado) e O Complexo Ocidental (Editora Casa das Letras – Grupo Leya, Alfragide, 2020), sendo o segundo considerado o seu livro mais influente.




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1. Muito obrigado, antes de mais, por nos conceder, em exclusivo, esta entrevista. O senhor Professor poderia explanar, de forma breve, aos nossos leitores, quando e como surgiu, no seu horizonte mental, o estudo e o interesse pela geopolítica do Médio Oriente, e do seu corolário religioso – o Islamismo – nas suas diversas vertentes? Obrigado a vós. A questão é muito importante para mim e para os leitores, porque, em Sociologia Política e também na minha disciplina, a Geopolítica, sabe-se que a objectividade total não existe entre os Homens e que é preciso dizer (sendo-se intelectualmente honesto) ou saber “de onde se fala”. Assim, o meu interesse pelo Médio Oriente e o Islão radical cresceu, aos poucos, desde os 18 anos, quando encontrei, em França, amigos libaneses cristãos maronitas que me explicaram o conflito libanês e o sofrimento dos cristãos que, depois de terem acolhido, de forma generosa, no seu País (então ainda amplamente controlado pelos cristãos) 500.000 palestinianos muçulmanos sunitas, foram “agradecidos”, por estes últimos, com os massacres, as razias e a transformação de Beirute numa base terrorista... Depois, fui duas vezes ao Líbano, durante os meus estudos de Ciências Políticas, durante meses, e tive a sorte de encontrar grandes docentes da Universidade Católica-Maronita de Kaslik, que me deram muitas informações e “pistas” de reflexão sobre o Islão e a perseguição das minorias não-islâmicas no Islão sunita e, portanto, nos países cristãos. A partir daí, comecei a aprofundar o tema do Islão e do Islão radical, e, posteriormente, do terrorismo islâmico, que encontrou no Líbano um terreno de incubação e de expansão na década de 1980. 2. Para o homem ocidental, que não está familiarizado com o mundo islâmico, como é que descreveria a situação dos países que vivem sob a lei da Sharia islâmica? Um dos meus primeiros estudos de pesquisa pré-doutoramento foi dedicado, precisamente, a este tema: a lei islâmica contém 99% das atrocidades, barbáries, violências e intolerâncias muitas vezes atribuídas apenas aos “extremistas islâmicos”. Dou alguns exemplos: a Sharia prevê o massacre de todos os infiéis que não se submetam às leis superiores do Islão, a morte de pagãos, apóstatas, blasfemadores e, até mesmo, de cristãos e de hebreus que não sejam submissos; a Sharia prevê, claramente, 3 grandes inferioridades: escravo vs. mestre, mulher vs. homem e não-muçulmano vs. muçulmano; e, depois, a Sharia prevê, evidentemente, a necessidade absoluta de conquistar todo o Mundo com o Jihad da guerra e, ainda, o da palavra e da astúcia/duplicidade (taqiya), e o Islão sunita oficial, nunca reformado, que ensina esta Sharia, justifica plenamente também a crucificação dos apóstatas, como acontece, legalmente, na Arábia Saudita, o massacre dos homossexuais e dos descrentes que não aceitam a supremacia islâmica, ou a proibição dos instrumentos musicais, as punições corporais, o apedrejamento, a infibulação e a excisão das mulheres, sem esquecer a necessidade de instaurar um califado mundial hegemónico destinado a subjugar o Mundo inteiro. A conclusão desta observação é que aqueles que afirmam que o islamismo não tem nada a ver com o Islão estão a mentir ou são ignorantes..., e que será sempre impossível acabar com a ameaça do islamismo radical até que o Islão sunita oficial não tenha realizado a sua reforma integral teológica, jurídica e política. Recordo que os dois centros mais importantes do Islão sunita mundial, a Arábia Saudita, coração do salafismo e País das duas cidades “sagradas” (haram), Meca e Medina, e, depois, a Universidade egípcia do Cairo Al-Azhar, nunca aceitaram eliminar, reformar ou contextualizar as disposições totalitárias, violentas e intolerantes do Islão nas suas dimensões políticas, jurídicas e sociais. Não o dizem os chamados “islamofóbicos”, mas todos os intelectuais muçulmanos moderados, seculares, sinceramente pacíficos. 3. Entre os dias 5 e 8 de Março, o Papa Francisco visitará o Iraque. Os cristãos, antes uma comunidade numerosa neste País, sofreram uma dura perseguição por parte da maioria islâmica, estando, hoje, reduzidos e humilhados. Que panorama encontrará o Pontífice, sob este ponto de vista, no Iraque? O diálogo ecuménico católico-islâmico trará algum resultado concreto? A poucos dias da chegada do Papa Francisco ao Iraque, as expectativas da Igreja local são altas. Esperamos que a sua visita ao País aumente a consciência dos cristãos no Iraque. O Papa encontrar-se-á com os responsáveis cristãos e muçulmanos, incluindo o líder dos xiitas iraquianos, o grande Aiatolá Ali al-Sistani, visto como um homem de paz para os cristãos do Oriente. Mas temo que os outros encontros inter-religiosos, de que tanto gosta o Papa Francisco, sejam não apenas inúteis, mas também contraproducentes, se o Papa não adoptar um discurso de franca exigência e de pedido de reciprocidade que nunca existiu entre cristãos e muçulmanos, sejam xiitas ou sunitas. Para que servirá o encontro inter-religioso previsto, simbolicamente, em Ur, no Sul do Iraque, cidade de origem dos hebreus e, deste modo, dos primeiros monoteístas, “pátria de Abraão e das três religiões”, se se limitará a repetir as usuais ideias politicamente e islamicamente correctas, segundo as quais “hebreus, cristãos e muçulmanos têm um pai comum em Abraão”. Temo que o Papa Francisco, o Papa mais pró-Islão de todos os tempos na história da Igreja, não ouse e nem pense em denunciar – com respeito, mas também com franqueza – a ausência de reciprocidade islâmico-cristã e o facto que os países e autoridades islâmicas mundiais exigem, no Ocidente, mais mesquitas e o direito de converter os cristãos ao Islão, enquanto os cristãos são perseguidos em quase todos os países muçulmanos e não podem construir, como desejam, novas igrejas. Na minha opinião, o Papa adoptará uma atitude mais político-diplomática do que de verdade teológica, porque não é o Papa da coerência doutrinal, como o foi Bento XVI, que ousou dizer a verdade sobre o Islão, mas um Papa argentino que ignora o que é o mundo islâmico e que erra ao acreditar que os cristãos serão mais bem tratados ou “poupados” em troca dos seus discursos “inter-religiosos” e declarações falsas de que “o verdadeiro Islão é tolerante”. Espero que seja inspirado pela graça dos mártires cristãos do Iraque e que tenha um discurso de verdade, mas duvido realmente... A verdade é que se trata de uma área onde os cristãos eram, há 50 anos, mais de 1,5 milhão e, agora, são menos de 250 mil... e continuam todos a tentar fugir e emigrar para o Ocidente... Então, se o Papa acredita que a sua presença “inter-religiosa” no Iraque estancará a hemorragia dos cristãos e tornará os fundamentalistas islâmicos mais “abertos” ou “amigáveis”, está a sonhar, porque, ao contrário, da parte dos integralistas, os “diálogos inter-religiosos”, tão almejados pelos Papas católicos (excepto Ratzinger) do Concílio Vaticano II, nunca condicionados por pedidos de reciprocidade, são, essencialmente, percebidos como sinais de fraqueza e, por isso, um incitamento a perseguir, ainda mais, os cristãos, objectivamente não defendidos pelos países ocidentais em processo de apostasia... Além disso, sabendo perfeitamente que o Papa não vem para converter ninguém ao cristianismo nem para anunciar a Palavra, muitos líderes religiosos islâmicos iraquianos estão a mostrar, nas redes sociais, a sua hostilidade à viagem do Papa e estão a aproveitar-se da sua vinda para fazer crer que o cristianismo ocidental estaria a tentar relançar as Cruzadas ou gostaria de “provocar” os países muçulmanos com o proselitismo cristão... Daí a temática obsessiva dos “cruzados”. Apesar de ser hiper-pró-imigração e pró-islâmico, o Papa é apresentado, pelos muçulmanos radicais e até ortodoxos, sobretudo sunitas, como «o rei dos cruzados que entra no País como missionário». 4. No seu último livro publicado em Portugal, O Complexo Ocidental, o senhor Professor alerta para o «vírus da culpabilização colectiva», que tem por base vários mitos fundadores, tais como as Cruzadas, as «trevas» da Idade Média, a diabolização da Igreja Católica, a dívida para com al-Andalus, as acusações de esclavagismo, colonialismo e racismo de sentido único, a «mundialização feliz» e as consequências das políticas da União Europeia. Num breve apanhado, poderia explicar melhor estes fenómenos aos leitores portugueses? Nesta parte importante do meu livro, explico que uma verdadeira «guerra das representações» levou ao enfraquecimento mental e identitário do Homem europeu, atingido por uma síndrome de culpabilização crónica de cunho étnico-masoquista. Explico que, para vencer essa doença colectiva que é a culpabilização generalizada, devem ser colocados em confronto os principais mitos politicamente correctos com a razão e com a realidade histórica. Tais mitos principais são os seguintes: o Ocidente é “racista”, “esclavagista”, “islamofóbico”; “destruiu o planeta”, é “imperialista”, “humilhou” os árabes, os muçulmanos e todo o Terceiro Mundo com as cruzadas e com a colonização. A sua Igreja por excelência, a Católica Romana, “oprimiu” os povos autóctones “convertendo-os à força”, desde a África às Américas e à Ásia. Praticou “tortura” e matou em massa, em nome de Cristo, por meio da Inquisição. Os reis “catolicíssimos” reinaram, durante mil anos de “Idade Média bárbara”, por meio da espada e do fanatismo, até à “libertação” representada pelo Renascimento, pelo Humanismo e pelo Iluminismo, que resultou na formidável Revolução Francesa e religião humanista dos direitos humanos. “Ignorantes” e “obscurantistas”, os europeus saíram da Idade Média “graças aos sábios muçulmanos iluminados” que “lhes trouxeram a ciência” antiga e a filosofia grega, que eles próprios “traduziram” e “transmitiram” à humanidade, mas de que o Ocidente se apoderou... A “dívida do Ocidente” para com esses impérios iluminados, “humilhados” pela “agressão cruzada”, seria tão imprescritível quanto a sua culpa. Finalmente, o auge do horror alcançado com a Shoah seria o resultado de “mil anos de anti-semitismo cristão” e implicaria uma responsabilidade colectiva que não se limita aos alemães nazis ou aos seus governantes da época, mas que seria uma herança do Homem branco. Esta culpa, indefinidamente indescritível, transmitida pelo sangue corrupto dos europeus, faria deles, da sua religião (cristã) e da sua etnia “o pior dos povos”. Eu mostro que, na verdade, as cruzadas são, muitas vezes, apresentadas, pelos propagandistas ocidentais, como o “pecado original” fundador da cristandade ocidental. Esta culpa fundamental representaria as raízes remotas do colonialismo europeu e do imperialismo ocidental, e também seria a causa da violência islâmica e do anti-ocidentalismo radical dos países muçulmanos, “traumatizados pelas cruzadas”, cuja violência anticristã não seria mais que uma simples “reacção” diante de uma imperdoável violência que teriam sofrido primeiro... O próprio sionismo não seria nada mais que o fruto do “imperialismo ocidental” ao serviço dos novos “cruzados hebreus”, que foram “manchar os lugares sagrados do Islão”. Em suma, o colonialismo árabe-muçulmano e, até mesmo, o terrorismo islâmico nada mais seriam do que um “justo castigo”... Esta representação constitui uma extraordinária fraude intelectual que deve figurar nos anuários da desinformação. Enquanto o Ocidente culpa os autores das cruzadas, que não foram nada mais do que reacções legítimas às “cruzadas islâmicas”, os países e as organizações muçulmanas afirmam descaradamente a sua vontade de submeter a capital da cristandade a Alá. Em troca, os “malvados” cruzados europeus respeitarão sempre os dois lugares sagrados do Islão, Meca e Medina, sem jamais conquistá-los ou saqueá-los. No entanto, hoje, são os Ocidentais, os cristãos, a pedir “perdão” aos países muçulmanos, que, por sua vez, não se arrependem de ter invadido Bizâncio e Roma... Apoiantes desta acusação reflexa, os países muçulmanos exigem continuamente que os europeus peçam desculpa pelas cruzadas e pela colonização, mas nunca se preocupam, em momento algum, em desculpar-se pelas suas guerras colonizadoras e pelas piratarias barbáricas, pela escravidão dos negros e dos europeus – a colonização islâmica (África, Andaluzia, Sicília, Balcãs, Índias) ou os genocídios anticristãos (um milhão e meio de arménios assírio-caldeus da Turquia e 2 milhões de cristãos animistas do Sudão do Sul). É verdade que o passado deve ser ultrapassado e, além disso, o diálogo islâmico-cristão parece surgir de uma intenção louvável, mas a reciprocidade deve ser uma obrigação e os países muçulmanos, que exigem que o Ocidente condene os caricaturistas de Maomé, fariam bem em combater o anticristianismo islâmico, que, por sua vez, é um assassino e, consequentemente, muito mais grave do que simples ridicularizações. O diálogo islâmico-cristão, incondicionalmente inaugurado pelo Concílio Vaticano II, na década de 1960, permanecerá um diálogo entre surdos enquanto os países islâmicos virem sinais de fraqueza na mão estendida e na aceitação da tolerância unilateral dos cristãos. E essa fraqueza incita os perseguidores dos cristãos a aumentar a dose de violência. Na verdade, as profissões de fé islamicamente correctas do Vaticano e o diálogo islâmico-cristão nunca impediram a perseguição de cristãos no Paquistão, na Arábia Saudita, o massacre de cristãos no Sudão ou no Iraque, ou o assassinato de sacerdotes católicos na Turquia (P. Andrea Santoro em 2006, Monsenhor Luigi Padovese em 2010)... Em seguida, explico que a Idade Média não foi, como muitas vezes se crê, uma época de barbárie e de “guerra de todos contra todos”. Em proporção, causou menos mortes em mil anos do que a Revolução Francesa, as guerras napoleónicas e as dos três séculos seguintes (totalitarismo, guerras de massa e genocídios). Na Idade Média, as guerras, limitadas no número e no espaço, eram, em vez disso, obra dos senhores detentores do poder temporal e dos reis de França, ou seja, uma questão de profissionais. Depois, esquece-se, muitas vezes, que, naquela época, o saber e a ciência não eram desprezados nem ignorados pelos políticos e religiosos, muito pelo contrário. Além das formidáveis ​​obras tecnológicas e arquitectónicas que foram as catedrais – de Santa Sofia de Constantinopla a Notre-Dame de Paris, passando pela Catedral de Chartres ou pela Catedral de Milão –, Régine Pernoud recorda também «que, na Idade Média, os autores latinos e gregos eram bem conhecidos, que o contributo do mundo antigo – clássico ou não – estava longe de ser rejeitado» e que «o seu saber era considerado um elemento essencial do conhecimento». Assim, «no século XII, a biblioteca de Monte Saint-Michel incluía textos de Catão, o “Timeu”, de Platão (em tradução latina), várias obras de Aristóteles e de Cícero, trechos de Virgílio e de Horácio»... Na época, de facto, a Igreja assegurava o ensino e dispensava o saber a todos. Aos mosteiros, homens e mulheres de todas as classes sociais iam-se instruir: esses centros culturais hospedavam os maiores estudiosos da época. O primeiro europeu a referir-se explicitamente aos “direitos humanos” foi também um monge, o famoso Alcuíno, que se tornou Ministro da Instrução Pública de Carlos Magno. Por outro lado, a Igreja defendeu sempre a dignidade humana e a educação. Combateu tanto a escravidão como o repúdio, a poligamia e a pobreza, muitas vezes muito melhor do que o poder temporal. No que diz respeito a França, basta constatar a grande quantidade de instituições denominadas “hôtel-Dieu” (Paris, Marselha, Lião, etc.) ou “maison-Dieu”, que eram hospitais e asilos para os pobres. No sector da saúde pública, a Igreja cuidava tanto os corpos quanto as almas e dispensou a caridade em todos os lugares, criando as primeiras obras de caridade, das quais as associações católicas de ajuda humanitária e a Cruz Vermelha são as distantes descendentes. A seguir, recordo que a Igreja nunca afirmou que a mulher seja “inferior” ao homem ou que não tenha alma e que é totalmente falso dizer que a Igreja Católica esperou pelo fim do século XIX para condenar a escravidão, e que tenha decretado que os ameríndios subjugados pelos conquistadores espanhóis e portugueses “não tinham alma”. Desde cedo, na Europa, os reis e os bispos, incluindo Guilherme, o Conquistador (1027-1087), São Vulstano de Worcester (1009-1095) e Santo Anselmo (1033-1109), proibiram a escravidão. No século XIII, São Tomás de Aquino decretou que a escravidão é um “puro pecado”. Tomás de Aquino via nisso uma infracção da “lei natural”, uma vez que todas as criaturas humanas têm “direito à justiça” e à dignidade. Foi com base nisso que a Igreja definiu a escravidão como um “pecado contra a dignidade humana”. Em 1437, o Papa Eugénio IV publicou a bula Sicut Dudum, que ameaçava de excomunhão os esclavagistas. Os Papas Pio II (1458-1464) e Sisto IV (1471-1484) também promulgaram bulas que condenavam, sem quaisquer equívocos, a escravidão. Em 1537, o Papa Paulo III emitiu uma declaração oficial contra ela: quer dizer, quase seiscentos anos antes que a Arábia Saudita ou o Sudão a tenham proibido teoricamente... Lembro que, mesmo antes dos negros africanos, as primeiras vítimas do esclavagismo árabe-islâmico foram europeus eslavos e mediterrânicos, vendidos, durante séculos, nos países árabes-muçulmanos. No entanto, a realidade da escravidão dos brancos é atestada pela mesma raiz da palavra “escravo”, usada em todas as línguas europeias (schiavo, esclavo, esclave, slave, sklave), que vem do etnónimo “eslavo” que carregam, ainda hoje, por exemplo, os Eslovacos e os Eslovenos. Schiavonia (a actual região da Eslavónia, que inclui a parte oriental da Croácia e da Eslovénia), antiga reserva de escravos brancos, significava “o país dos escravos”. Os europeus, embora sejam tão implacáveis ​​com o seu passado, ocultam sistematicamente o facto de que o esclavagismo muçulmano afectou, durante mais de um milénio, eslavos, balcânicos, gregos, italianos e, até mesmo, ingleses e germânicos capturados durante o tempo dos ataques e da pirataria. Alexandre Skirda, historiador e ensaísta, explica que, antes mesmo de existir o comércio atlântico, cerca de 4,5 milhões de europeus orientais foram submetidos ao tráfico muçulmano. Esse “comércio de brancos”, perpetrado por muçulmanos, foi tão assassino quanto o dos negros. Skirda distingue dois tráficos dos eslavos: o definido “ocidental”, realizado na Europa Central, e o “oriental”, que enlouqueceu da Polónia à Rússia. Martiriza-se o Ocidente cristão pelo esclavagismo do passado, especialmente pelo “comércio atlântico” ou “triangular”, mas, curiosamente, a escravidão árabe-muçulmana é escondida na maioria das vezes, apesar de ter feito mais vítimas e ter durado por um período mais extenso em relação ao comércio atlântico: mil e duzentos anos no caso do esclavagismo árabe-muçulmano, três séculos no caso deste último... E não se pode negar que, até hoje, em território islâmico, nenhuma voz se levantou para denunciar o esclavagismo árabe-muçulmano da mesma forma vigorosa com que o Ocidente denuncia o seu. Só o “tráfico árabe-islâmico”, que não inclui o esclavagismo do Império Otomano e dos seus piratas bárbaros, instalados no Norte da África, fez 11 milhões de vítimas apenas no período que vai século IX ao século XVII, isto é, o mesmo número daqueles feitos pelo comércio atlântico, com a diferença de que os escravos dos muçulmanos árabes eram castrados e mortos em massa, enquanto os descendentes dos escravos dos europeus tiveram uma progénie importante e foram, posteriormente, libertados. Finalmente, só para o esclavagismo otomano-bárbaro, o especialista Robert Davis calcula – levando em conta o número considerável de mortes (20% ao ano) entre 1530 e 1780 – que o número de europeus escravizados apenas no Norte da África otomana chegue a 1.200.000 pessoas... Não posso desenvolver todos os 10 mitos da desinformação anti-ocidental e do “cosmopoliticamente correcto”, que explico no livro, mas termino, aqui, com o da chamada Andaluzia árabe-islâmica “tolerante”: esse mito, inventado pela esquerda anticatólica do Terceiro Mundo, serve para justificar, filosófica e moralmente, a submersão migratória islâmica, mas é falso. Na realidade, a Espanha muçulmana (Al-Andalus) foi conquistada pelas armas e dominada como um império colonial, e não foi uma terra de convívio onde diferentes comunidades teriam coexistido com os mesmos direitos e teriam acedido ao poder político de forma justa. Al-Andalus era uma sociedade político-religiosa composta por dominadores árabes-berberes (e espanhóis convertidos) e dominados hebreus e cristãos de origem celtibérica e visigótica. Os cristãos e os hebreus eram submetidos à lei islâmica e, logo, discriminados como dhimmi (ahl al-dimmah), ou seja, mais ou menos livres de praticar o seu culto em privado, mas forçados a reconhecer a autoridade dos dominadores muçulmanos, a pagar a taxa dos infiéis (jyzya) e sem a oportunidade de desfrutar de direitos iguais em relação aos muçulmanos. Os dhimmi também podiam ser punidos muito duramente ou condenados à morte em caso de acusação de proselitismo cristão ou de blasfémia contra o Islão. Além do famoso massacre de hebreus de Granada, em 1066, há numerosos casos de repressões, muitas vezes brutais, de “desviados”, de cristãos ou de outros descrentes ou apóstatas. De facto, entre os reinos cristão e os muçulmanos, entre os principados as taifa muçulmanas, e mesmo entre as várias taifa, existia um estado de guerra permanente. As festas tradicionais das regiões de Múrcia e do Levante (Alicante, Valência), como a famosa Fiesta de los Moros y de los Cristianos, são testemunho do ódio recíproco e da violência que caracterizava as relações entre cidades muçulmanas e cidades cristãs não ocupadas ou “libertas”. Em 1010, centenas de hebreus foram assassinados perto de Córdoba. Os massacres prolongaram-se por três anos. Em 1066, milhares de hebreus foram massacrados, pelas autoridades muçulmanas da época, na própria Granada. Em 851, o califa omíada Abderramão II, de Córdoba, promulgou um édito que ameaçava de morte todos os “blasfemadores” contra o Islão e mandou prender os líderes cristãos da cidade. Em 852, a administração de Córdoba foi expurgada dos seus elementos cristãos e as igrejas construídas após a conquista árabe foram destruídas. Em 900, uma fatwa proibiu os cristãos de Córdoba de construir novas igrejas. Em 1102, para escapar às perseguições, a população cristã de Valência fugiu em massa para o recém-reconquistado Norte de Espanha. Em 1125, os cristãos de Granada aproveitaram a retirada das tropas de Afonso de Aragão, depois de uma incursão na Andaluzia, para procurar refúgio no Norte cristão. Em 1146, os cristãos de Sevilha fugiram, diante da invasão almóada de Espanha, que também levou à expulsão dos hebreus ou à sua conversão forçada. Em 1184, os almóadas ordenaram que os cristãos e os hebreus de Al-Andalus usassem sinais distintivos. E, em 1270, a segregação é generalizada a todos os hebreus da Espanha muçulmana. Por fim, um dos mitos fundadores da nova doxa cosmopoliticamente correcta é, sem dúvida, a do “estrangeiro bom”. Este mito muito antigo encontra as suas raízes, antes de tudo, na Bíblia (a história de Sodoma e Gomorra, na qual o hóspede rico e mau é castigado pela destruição das duas cidades) e na mitologia grega, com a tocante história de Filémon e Baucis, um pobre casal de idosos recompensado por ter bem acolhido dois viajantes que se revelaram ser Zeus e Hermes. Mas, na sua versão moderna, mais deformada ideologicamente, o mito do estrangeiro bom deve muito aos velhos mitos rousseaunianos e enciclopedistas do “bom selvagem”, dotado de todas as virtudes e “puro”, e ao do “bom oriental”, sábio, culto e tolerante. 5. Há cerca de um mês, o Twitter suspendeu a conta do partido político espanhol Vox, que lançou uma campanha contra a islamização naquele País. Pode considerar-se mais este um lobby em que estão empenhadas as elites progressistas dos nossos tempos? Não é surpreendente. Os lobbys mundialistas ou “cosmopoliticamente correctos” não suportam ver crescer ou chegar ao poder as forças identitárias, que procuram fazer sempre passar por perigosos “fascistas”. Por isso, devem silenciá-las. A 8 de Janeiro, as contas de Donald Trump no Twitter (88 milhões de seguidores), Facebook (35 milhões) e Instagram foram fechadas por “risco de ulterior incitação à violência”. Snapchat, TikTok, Twitch, Microsoft, YouTube e Reddit seguiram o exemplo. Foi a primeira vez que um chefe de Estado em exercício viu a sua liberdade de expressão suprimida desta forma. Poderíamos entender essa medida única se Trump tivesse iniciado uma guerra ilegítima, como o pai e o filho Bush, depois de terem espalhado notícias falsas muito mais graves do que as de Trump, na verdade o presidente dos Estados Unidos mais pacifista desde a época de Carter. Poderemos compreender que os GAFAM excluam as contas de Recep Tayyip Erdoğan (17,3 milhões de seguidores no Twitter, dez milhões no Facebook), que insultou Emmanuel Macron, ameaçou países da UE (Áustria, França, Grécia, Chipre), negou o genocídio arménio, tinha os curdos massacrados na Síria, tentou apoderar-se das águas soberanas e do gás da Grécia e de Chipre do Norte, apoiou os jihadistas da Síria e da Líbia, enviados para massacrar os arménios, em Nagorno-Karabakh, em apoio ao Azerbaijão), apoiou o Daesh, reprimiu a oposição turca e a minoria curda, em seguida, fez-se votar com plenos poderes após colocar o açaimo na imprensa... Apesar de tudo, nunca foi suspenso das redes sociais. Os GAFAM também não acharam oportuno cancelar as contas do ex-Primeiro-Ministro malaio, Mahathir bin Mohamad, conhecido pelas suas posições anti-semitas, que tem 4 milhões de seguidores no Facebook e 1,3 milhão no Twitter. A 29 de Outubro, no Twitter e no seu blogue, depois da decapitação de Samuel Paty, escreveu que «os muçulmanos têm o direito de ficar com raiva e de matar milhões de franceses»... Os reguladores do Twitter recusaram-se, inicialmente, a bloquear a mensagem de Mahatir, citando “interesse público”. Receberá um simples “aviso” e a sua conta permanecerá activa. Trata-se de um “double standard”. Mas o sistema globalista não pode reagir de outra forma... 6. Como é que vê o rápido e constante crescimento do Islão em França, a “filha mais velha” da Igreja Católica? É uma catástrofe e um gravíssimo perigo para a Nação, não porque todos os muçulmanos sejam maus ou fanáticos, mas porque a maioria dos migrantes muçulmanos, em vez de serem integrados e assimilados, são treinados e fanatizados pelos radicais. O erro do Ocidente e, acima de tudo, da Europa foi duplo: primeiro, organizar uma imigração em massa árabe-afro-turca-islâmica descontrolada, que se tornou uma neocolonização da população com reunificação familiar, sem limitá-la a uma quantidade razoável, e, em segundo lugar, oferecer a responsabilidade de gerir os locais de culto e de controlar esses cada vez mais numerosos migrantes muçulmanos não aos imãs moderados, mas aos islamistas mais radicais ligados à Irmandade Muçulmana, às redes turcas, ao Paquistão, aos salafistas sauditas ou do Catar e aos países do Magrebe, que têm todos como objectivo impedir a integração dos muçulmanos nas nossas sociedades abertas “infiéis”. Este erro começa a ser pago caro... E é apenas o princípio da catástrofe, porque, em 20 anos, a demografia dos Europeus será tão fraca e a das massas revanchistas islâmicas tão crescente que a situação de fragmentação e destruição da homogeneidade dos países da Europa Ocidental com milhões de muçulmanos tornar-se-á cada vez mais explosiva, com um risco cada vez maior de guerras civis, especialmente nos países como França, Alemanha, Inglaterra, Bélgica, Suécia e Holanda. Recentemente, chamei a esse perigo crescente de “a síndrome Mad Max”, caos geral que será favorecido tanto pela esquerda marxista subversiva, que procura a revolução, quanto por bandos étnicos africanos, como os Black Lives Matter. Blacks muslims/BLM; islâmicos radicais árabes e turcos neo-otomanos, e forças de extrema-esquerda já se estão a unir para preparar o caos e a destruição interna da sociedade ocidental. Essas sociedades pagarão o preço da sua abertura irresponsável e indiscriminada aos inimigos declarados, como o temia o próprio ideólogo das sociedades abertas, Karl Popper. 7. A terminar, enquanto católicos, qual será a melhor forma para resistir à visível e preocupante islamização da Europa? O maior problema dos católicos é a tentação do “bonismo” e da errada compreensão da noção de “culpa”, que, demasiadas vezes, por falta de boa formação, confundem com a equívoca necessidade de culpabilizar. Esta errada compreensão do universalismo e da tolerância cristã é um verdadeiro vírus que a esquerda infiltrada na Igreja soube perfeitamente instrumentalizar e fazer crescer até tornar globalistas tantos cristãos. Depois, os cristãos devem sempre recordar que, se devem respeitar a função do Santo Padre como instituição, não devem, necessariamente, aderir a todos os discursos e a todas as observações do Papa quando fala de coisas de que não é especialista nem competente, como a política, a imigração, o Islão, a defesa dos clandestinos, a condenação dos “populistas”, etc. O Papa deve ser seguido e obedecido, de um modo absoluto, em termos de fé e de valores, e deveres ou proibições, apenas se fala ex cathedra, e apenas se ele, servidor da Igreja, não viola ou não importuna a Tradição católica. Podemos a estar certos de que, quando ele diz que o acolhimento aos migrantes supera também o interesse nacional ou que o Islão é tolerante e não tem nada a ver com o jihadismo, erra. E é seguro que a Tradição da Igreja nunca confundiu o temporal com o espiritual, aliás, sempre respeitou a lei e as identidades nacionais, e as fronteiras entre os países. O globalismo é uma doutrina temporal anticatólica, contrária ao universalismo cristão, que é apenas espiritual. O globalismo encarna, hoje, a Torre de Babel, do Antigo Testamento, amaldiçoada e condenada por Deus. O verdadeiro católico, que conhece o direito pontifício e a Tradição dos Padres da Igreja, nunca pode ser globalista.

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